sexta-feira, 25 de maio de 2007

Récit




Comeu 7 maças e viveu envenenada para sempre.


Depois de carinhos furtivos a raiva só ameaça a ser e passa, no entanto o jantar e a mesa para dois de repente vira mesa para três e se a conta estivesse certa -um- não seria excluído. Na divisão de lugares a sobra é resto sem lugar e por isso mesmo, não senta. O convite para o lado de lá é aceito! com um audível NÃO. E a feição de quem está devidamente acomodado só poderia ser descrita como aquela forma de quem fala sem olhar nos olhos, com risos que nada tem a ver com quem está fora da soma igual a três. Descaso lançado pela boca cheia abriu espaço entre cebolas e soltou o 'foda-se' irreverente que, falava da irrelevância do outro que apenas queria juntar-se em dois. Estar em pé nunca foi tão humilhante, pensou. O não olhar, os risinhos de escárnio e o foda-se que reverberou pelo restaurante inteiro fez com que as pessoas todas confortavelmente sentadas presenciassem o milagre dos pratos que voavam. E a raiva que não chegava a ser, finalmente encheu a mão estourando na cara do desprezo. Estava feito, o outro que nunca se achou um bom lugar foi levado à ilusão de que finalmente poderia sentar e comer na presença do silêncio compartilhado. Quando as retinas já se aglutinavam mirando em tudo que não era ele, o cristal caro de tão frágil foi ao chão. Quebrou-se em incontáveis pedaços e o amor terminou sentado, mas o outro amor só poderia continuar em pé e foi com todo o poder da evolução das gerações passadas que de lá - assim saiu, bípede, sem pisar no que já era cacos.


Aspas?

Um comentário:

Thais Navarro disse...

irresistível esse texto, jogo de palavras inteligente e refinado.
fico extremamente feliz que vc se identifica com o que escrevo, sempre pensei que aquelas bobagens não interessariam ninguém.


beijos liz.